quarta-feira, 22 de março de 2017

Escola sem partido, censura ao pensamento crítico



Projeto pretende censurar o pensamento crítico nas escolas

Os defensores desse pseudo-movimento “escola sem partido” carecem de embasamento em seus argumentos. O conjunto de ideias que sustenta esse grupo se pauta por “achismos”, descrença na capacidade intelectual e crítica dos jovens, além de desconsiderar a vasta gama teórica e filosófica da educação.

Num primeiro momento deve-se ter a clareza de que não existe educação neutra, essa é uma premissa para qualquer reflexão sobre o processo educativo, o funcionamento das escolas e o papel político da educação pública.

Considerar que na relação ensino-aprendizagem há uma relação de “domínio e passividade” é se distanciar do que há de mais aclamado e defendido nos meios acadêmicos dedicados às ciências da educação. Educar é construir conhecimento! Educar é estabelecer relação, é troca, é experiência. Na relação “ensino-aprendizagem”, educador e educando são sujeitos do processo.

Esse grupo que se auto-intitula "movimento escola sem partido", com o devido respeito, carece de embasamento teórico sobre educação. Concebem a educação como um processo de dominação, inferiorização, transferência de conhecimento. Não consideram o protagonismo dos sujeitos no processo de socialização.

Reivindicam seus defensores uma "escola sem partido", como se fosse a escola um centro de doutrinação partidária, onde os jovens seriam "alienados" por discursos políticos. Defendem uma educação "neutra", sem posicionamento embasado por metodologia científica do educador. Quando se manifestam, não raro, os defensores dessa “bizarrice” se direcionam mais especificamente a valores e pensamentos da dita “esquerda”.

Para os que conhecem a educação como processo social e a analisam sobre as diversas linhas das ciências da educação, chega a ser "grotesco" a pretensão dos integrantes desse "movimento". Não sustentam seus argumentos além do senso comum e da ignorância sobre os processos pedagógicos. Poucos apresentam sustentação teórica para suas posições.

É preciso defender “educar é um ato político”. Parte de uma intencionalidade forjada numa experiência. Experimentamos a vida, as relações sociais e nossa consciência. O educador, para Paulo Freire, é um "facilitador", um "orientador" para a descoberta e leitura do mundo. Por orientar para a leitura do mundo sua ação já é intencional, no caso, libertadora. A educação como prática da liberdade (título de um livro de Paulo Freire) é uma educação em que o educador se afirma politicamente, não somente na sua convicção acadêmica, mas, sobretudo, em sua prática educativa e política.

Não cobrem neutralidade no ato de educar e não queiram restringir a liberdade de cátedra. Proibir qualquer leitura da realidade, da escola, da educação por seu fundamento teórico é inibir a própria natureza filosófica e crítica que alavancaram o vasto acúmulo de conhecimento científico das Ciências Sociais e Humanas.

Sendo todo discurso ideológico, a defesa da “escola sem partido” acaba sendo a imposição de um único valor e discurso ideológico nas escolas. Todavia, o discurso ideológico está impregnado nas escolas. Os sujeitos da educação escrevem suas histórias a partir de seus valores construídos nas diversas relações sociais. Não é a escola o centro determinante da formação ideológica dos sujeitos. Andando pelas ruas, os sujeitos, lendo um simples outdoor já estão se formando ideologicamente. A “escola sem partido” é uma forma subliminar de implantar e censura ao pensamento crítico nas escolas.

O pensamento político conservador nas escolas não tem sido alvo de críticas por parte do movimento “escola sem partido”. Muito pelo contrário, são os valores tradicionais, conservadores que flertam com o movimento. Não raro, encontramos defensores dessa proposta bizarra (aos olhos do pensamento científico) defendendo preconceitos. Na verdade querem impedir a reflexão nas escolas pautada pelo pensamento sociológico e pedagógico que estão alinhados ao pensamento político da “esquerda”. Trata-se pois, sem dúvida alguma, de censura.

Escola é lugar de pensamento científico, de debates, leituras, conhecimento, críticas. Não há escola alguma com professores totalmente alinhados a uma corrente de pensamento científico das diversas áreas de conhecimento. Há sim, nas escolas, uma multiplicidade de convicções, exposições e práticas políticas. Nesse processo, os jovens são parte, como sujeitos, das suas experiências vivenciadas também no ambiente escolar.

Diney Lenon é professor, Especialista em Gênero e Diversidade pela UFLA e atualmente exerce a função de diretor de escola na rede estadual de MG.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Primeiro turno das eleições de 2016: depois da decepção, precisamos reconstruir a esperança e a esquerda

Assistimos, muito consternados, à vitória do empresário tucano João Doria no primeiro turno em São Paulo, ao aprofundamento da decadência do PT no país inteiro, ao revigoramento do PSDB e do PMDB… enfim, à continuação do franco crescimento da direita partidária no país.
Só o Rio de Janeiro, entre as grandes cidades, vivenciou um crescimento resistente da esquerda, com Marcelo Freixo no segundo turno e a eleição de vários vereadores do PSOL.
Diante desse quadro eleitoral, a reação de boa parte, talvez a maioria, da esquerda tem sido de puro derrotismo e resignação. Vi diante dos meus olhos, na noite do dia 2 de outubro e no dia seguinte, uma parcela da esquerda que morreu por dentro. Tendo deixado de alimentar nas pessoas e em si mesma os sonhos de um mundo melhor e o propósito de lutar por esses sonhos, ela simplesmente perdeu o sentido de existir.
Aí nos perguntamos: e agora, o que fazer? Eu respondo: vamos sentar juntos para responder a essa indagação, e me permita trazer minhas sugestões.

A parcela da esquerda que continua firme na luta

Acredito que é essencial, para buscarmos responder o que fazer a partir de agora, buscarmos inspiração na parcela da esquerda que continua lutando, que nunca se deixou baixar a cabeça e aceitar a tal chegada dos “tempos sombrios” de hegemonia absoluta da direita.
Numa hora como essa, olho feliz e esperançoso – e espero de coração que você também se sinta inspirado(a) para olhar junto comigo – para a parcela que continua na luta, se recusa veementemente a baixar a cabeça econtinua lutando e resistindo num país em que a direita avança.
Esse é o lado da esquerda brasileira que resiste, seja focada nas reivindicações de nível micro, como aumento de salários e implantação de planos de carreiras e salários, seja em luta contra os retrocessos de direitos que Michel Temer e governos estaduais e municipais ameaçam trazer – e, se depender do lado derrotista da esquerda, trarão sem ser impedidos ou dificultados.
É parte que persiste em sonhar e construir um mundo melhor, que rejeita aguerridamente que o medo e a desesperança tomem de assalto o mundo e matem aqueles sonhos tão lindos do final do século 20.
Entre essa esquerda que resiste, incluo, com muita admiração e prestando meus sinceros elogios:
·         Aos adolescentes das escolas estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e outros estados que ocuparam em luta esses espaços, contra o fechamento arbitrário e antidemocrático desses locais e a privatização ou militarização da gestão escolar;
·         Às feministas que lutaram contra o agora ex-deputado Eduardo Cunha, contra as medidas misóginas encabeçadas por ele em 2015, e ajudaram a desmoralizá-lo perante a maioria da população brasileira;
·         Às feministas cariocas que escancararam que o ex-candidato a prefeito Pedro Paulo é um agressor de mulheres e, assim, conseguiram numa linda vitória fazer com que ele não fosse para o segundo turno no Rio de Janeiro;
·         Aos movimentos sociais de minorias políticas que, apesar de diversas rixas internas, vêm crescendo imensamente nas redes sociais e nas universidades, cativando a juventude e promovendo um debate cada vez mais forte na sociedade;
·         Aos bancários em greve, aos professores universitários que estão também organizando uma greve nacional, aos funcionários dos Correios que lutam da mesma maneira, e a todos os demais trabalhadores que se recusam a ver seus sonhos serem pisoteados pelos governantes golpistas e antidemocratas;
·         Ao PSOL, que tem sido o bastião de resistência da esquerda partidária no poder legislativo e executivo no Brasil. Que não se deixa desiludir da possibilidade de realizar mudanças por meio da política representativa para que, mais adiante, uma mudança mais sistemática e avançada seja viabilizada a partir do seio do povo. Merece destaque honroso o PSOL do Rio de Janeiro, que obteve uma vitória histórica com Freixo no segundo turno – e elevadas chances de ser eleito – e seis vereadores.

A outra parcela, a derrotista, da esquerda

A metade resistente da esquerda, que me traz vívidas esperanças pelo futuro, contrasta severamente com o que eu tenho visto no Facebook e em diversos sites progressistas desde o ano passado: a outra metade,a esquerda de alma derrotada, convertida numa borrada sombra do que era nos anos 80 e 90.
Que rasteja na resignação, no medo, na desesperança e na crença de que “as trevas” irão dominar o Brasil e nada mais pode ser feito, fora sentar, chorar, lamentar nas redes sociais e esperar que o pior aconteça individual e coletivamente.
Uma esquerda que, por ter perdido sua essência – que é sonhar com um mundo melhor, vislumbrar um futuro gostoso para todos e lutar incansavelmente por ele, por mais que sofra derrotas e decepções no percurso -, morreu por dentro e dela só restou uma casca morta-viva.
E nesses dias eu pude ver de novo essa onda de “trevas espirituais” nessa parcela da esquerda, já que a direita avançou na maioria das prefeituras. De novo grassou potente o discurso da vergonha, da tristeza, de achar que não é mais possível fazer nada, de que tempos tristes e sombrios despontam invencivelmente no horizonte.
A partir dessa realidade, eu percebo que o nosso problema não é apenas que a direita tem crescido. Mas também que, paralelamente, grande parte da esquerda tem decaído em queda livre e não oferece mais uma alternativa válida e palpável de projeto político para o povo como um todo, que atualmente tem medo do futuro e quer representantes que lhes satisfaçam as emoções mais nervosas e urgentes em meio a essa epidemia de incertezas.
É uma esquerda que, por causa de:
·         Brigas internas fratricidas;
·         Foco no que os “aliados” de espectro ideológico têm de pior e pensam diferente ao invés do que têm de melhor e pensam parecido;
·         Evasão em massa do sistema político representativo sem se construir e defender nenhuma alternativa realista alcançável a curto ou médio prazo;
·         Purismo ideológico e falta de tato social;
·         Sectarismo radicalizado;
·         Carência de trabalhos de base nas comunidades pobres;
·         Encastelamento nas universidades, em espaços restritos das redes sociais e em sites progressistas de médio alcance, parecendo haver uma fobia de ir nos bairros pobres e favelas para conversar com as classes populares e ouvi-las atentamente;
·         Falta de objetivos a curto, médio e longo prazos etc.
obviamente não tem futuro nenhum fora a nulidade e irrelevância no panorama político brasileiro.

Esperança! Como ressuscitá-las dentro de nós

Nessa hora de resignação dessa parcela da esquerda, não sei se vou ser bem entendido, mas direi:
Não percamos a esperança!
A esperança somos nós!
Não esperemos a esquerda se reconstruir à nossa revelia.
Vamos reconstruir nós mesmos a esquerda (ou melhor, essa metade dela que morreu)!
A hora não é de desistir e dizer “Olá, escuridão, minha velha amiga”. Mas sim de parar pra refletir e debater com nossos iguais:
·         O que deu errado na esquerda?
·         Por que ela não decola?
·         Por que essa parcela da esquerda não está incluindo as classes populares, mas sim apenas um pedaço da classe média urbana?
·         O que precisa ser mudado ou melhorado?
·         E sobretudo: Como ressuscitar a esquerda antissistema, anticapitalista e pró-democracia popular?

Depois do luto, que venha a reflexão, a autocrítica e a reconstrução

Não podemos desistir. Precisamos fazer a autocrítica da esquerda e mudar aquilo que precisa ser mudado. Renová-la. Conquistar o apoio da maioria da população.
Cativar as emoções, sonhos e anseios das outras pessoas. Mostrar que elas precisam lutar por seus direitos, sonhar com um futuro melhor e ser o povo o único soberano de si mesmo. Aprender com quem continua lutando de cabeça erguida.
Fazer com que as pessoas compreendam nossas posições, percebam o que elas têm a ver com as lutas sociais históricas e se identifiquem com a esquerda. Ou melhor, fazer com que a esquerda brasileira como um todonão exista mais tão separada do povo humilde e avessa a ele quanto a direita empresarial e partidária.
Espero que, depois do luto da noite do dia 2, isso comece a acontecer, mesmo que pouco a pouco. E podem ter certeza de que eu quero muito contribuir com essa reconstrução da parcela degradada da esquerda, e me aliar com a que continuar forte e resistindo. E sei que você poderá, com a devida mudança de atitude, aderir e fazer o mesmo.
Se o sistema político representativo falhou, vamos construir um novo ainda mais democrático e popular, que ainda não existe por aqui. Se o capitalismo é abominável, vamos construir um sistema econômico alternativo que seja viável no mais breve possível e não precise de décadas à frente para ser possibilitado.
Se a direita é elitista, preconceituosa, antipopular e demagógica, vamos ser a contraparte dela e provar à sociedade como um todo nosso valor e os porquês de sermos melhores para as classes populares do que os empresários, ideólogos, pastores e políticos conservadores, moralistas, pró-capitalistas e liberais econômicos.
Vamos compartilhar nossos conhecimentos, dar o melhor de cada um(a) de nós. E fazer tudo aquilo que seja possível para que a esquerda como um todo volte a ser competitiva perante a direita e se funda verdadeiramente com o povo e seus interesses coletivos.
Ou seja, que toda a esquerda volte a sonhar, lutar por esse sonho e inspirar que as pessoas em geral sonhem também.
Então…
Vamos à luta!


sábado, 1 de outubro de 2016

Jornal Insurgência Setembro 2016

Por uma educação Livre, laica e Libertadora.

Após a consolidação do GOLPE o então presidente Michel Temer com seus comparsas mostram a que veio: a implementação de um projeto ultraconservador, neoliberal e a retirada de Direitos dxs trabalhadorxs são suas principais metas. A composição ministerial sem nenhuma representatividade ou melhor com apenas uma representatividade: Homens, brancos, velhos (de pensamento), ricos e de direita mostram o verdadeiro retrocesso do Governo Golpista.
O Ataque à educação começou pela nomeação do ministro Mendonça Filho (DEM) citado nas operações lava jato e Castelo de Areia faz parte de uns dos partidos mais corruptos do congresso, além de representar grupos que sempre tentaram barrar políticas de democratização na educação.
O projeto “escola sem partido” criado em 2004 retorna como pauta principal para a educação, o modelo neoliberal baseado na competitividade e na meritocracia é a principal defesa dos aliados: Alexandre Frota, “primeira personalidade recebida pelo Ministério da Educação” e MBL (Movimento Brasil Livre) “grupo que articulou politicamente o golpe nas ruas”. A PL 867/2015 a “pl da mordaça” é uma verdadeira afronta aos professores e a educação democrática, prevendo inclusive prisão para professores que debaterem Karl Marx ou Paulo Freire em sala de aula.
O golpe da educação se concretiza com a sua Reforma anunciada esse mês, prevendo a exclusão das disciplinas Sociologia, Filosofia, Educação Física e Artes do currículo do Ensino Médio, o objetivo é tornar a educação tecnicista voltada exclusivamente para a formação de um exército de contingente para o Mercado de Trabalho. A frase “formar cidadãos críticos” antes somente escritas nos muros da escola, agora é apagada de vez da história da educação.
Em Bela Cruz a farsa da educação democrática reina desde os “tempos de tupiniquim”. O Governo Atual foi procurado por diversas vezes pelo SINSEMPMBC (Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Bela Cruz) para conversar sobre democratizar a escolha de diretores e coordenadores das escolas municipais, infelizmente nunca foi atendido, e essa não é exclusividade do governo atual, esse tema é bandeira de luta sindical desde  seu surgimento a mais de dez anos atrás.
O Outro candidato à prefeitura de Bela Cruz, representa um verdadeiro retrocesso e já mostrou sua truculência aos movimentos sociais alguns anos atrás quando prefeito, na ocasião da greve dos servidores. Os professores que estavam naquela referida data nunca se esquecerão de como foram tratados. Em sua plataforma de governo defende a velha meritocracia educacional, premiando professores que derem resultados para o município. É preciso deixar claro que uma educação de qualidade se faz com investimento em estrutura e valorização dos professores através do seu plano de Cargos e Carreira e não com gratificações.

Concluindo, no sistema capitalista em que vivemos e após a contrarreforma política aprovada pelo congresso nacional limitando ainda mais a participação de partidos de esquerda como o PSOL, quase nenhuma mudança se faz através das urnas, é preciso UNIDADE de Classe e LUTA, só a REVOLUÇÃO trará mudanças reais para a classe trabalhadora.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Uma Reflexão sobre o Pensar da Cultura

 A partir dos estudos dos textos da Antropologia contemporânea pudemos perceber uma nova forma de análise da cultura, seja do ponto de vista da autoridade etnográfica, seja da forma de como a cultura é vista e analisada a partir desses novos pensadores.
A autoridade etnográfica surge a partir do momento em que o antropólogo descreve a sua presença vivida no local, a sua experiência empírica é uma forma de prestar conta ao leitor da existência daquela realidade cultural, tornando assim o que está escrito como uma realidade quase que inquestionável dos fatos observados. É a partir de Malinowski nos “argonautas do pacífico ocidental que essa relação antropologia-etnografia torna-se algo quase que única possível de existir. Lembrando que antes a etnografia era feita por viajantes e missionários que visitavam os nativos, é a partir dessa autor que observamos uma verdadeira academicização do trabalho de campo.
É exatamente com os pensadores contemporâneos que essa autoridade vem sendo questionada por diversos motivos, seja pelo fato da ausência de debate político nos escritos, seja pela falta de presença do interlocutor, ou seja do nativo, nos textos.
Pergunta-se Clifford: “Se a etnografia produz interpretações culturais através de intensas experiências de pesquisa, como uma experiência incontrolável se transforma num relato escrito e legítimo?” (CLIFFORD, 1998, p.21).
Primeiramente precisamos entender que toda construção da realidade cultural é baseada numa díade entre nativo e pesquisador, e        que é através dessa relação dialógica que a etnografia é construída. O problema é que ela vem sendo escrita muitas vezes sem um debate político epistemológico. Se formos observar os escritos de Malinowski, em nenhum momento o mesmo cita a situação de colonização vivida pelos Trobriandeses na época da experiência empírica, fato esse essencial para entendermos a relação do antropólogo com os nativos.
Outra crítica a Antropologia Clássica é a ausência da interlocução na produção final do texto antropológico, a etnografia construída unicamente a partir da experiência do pesquisador, aniquila qualquer participação discursiva do nativo com o etnógrafo.  
James Clifford propõe, uma nova estratégia, uma nova autoridade etnográfica baseada no discurso dialógico, uma forma de dar voz ao “outro”, uma autoria plural que desafia o modo ocidental de fazer antropologia.
Outra questão importante que vamos discutir é a forma como a cultura era analisada no período clássico e como vem sendo debatida atualmente, fazendo uma ponte importante com os autores contemporâneos, em especial Hannerz e Barth. A principal crítica é como a cultura era vista, observada e analisada pelos antropólogos Funcionalistas e Estruturalistas.
Os antropólogos começaram a buscar lugares onde desafiasse a ideia de Estrutura da cultura, buscando situações desconfortáveis, principalmente em zonas fronteiriças onde a hibridez é  a principal características dessas populações. É com esse pensamento Barth descreve sua experiência com os Balineses da ilha de Bali, segundo ele, uma sociedade verdadeiramente complexa. É essa complexidade que os antropólogos contemporâneos procuram para desconstruir o que havia sido construído sobre a ideia de cultura.
Segundo Barth “O uso que costumamos fazer do termo cultura tornar-se ainda mais equivocado por incorrer na profunda imprecisão de referir-se simultaneamente a uma soma total de) padrões observáveis e às bases ideais desses padrões, abrindo as portas para a recorrente falácia de construir de maneira equivocada a descrição como explicação” (pg. 107; 1989)
A cultura passa a ser vista como um aglomerado de diversidade, a multiculturalidade presente em todas as relações sociais, não podemos analisar a cultura sem percebê-la como uma difusão tanto temporal como espacial de diversos padrões que se modificam e se recriam a partir da experiência dos indivíduos numa determinada sociedade.
A cultura então é vista como um processo que está a todo momento em constantes mudanças, daí podemos perceber o erro cometido por diversos escritores em defender o “resgate da cultura” como se a mesma fosse algo inerte, estático ao tempo, ao espaço e as relações sociais, em que ao qualquer momento pudéssemos busca-la e trazê-la para o presente. O que podemos esta observando constantemente são padrões culturais, padrões esses que se modificam e se transformam.
O problema é que fomos ensinados a procurar esses padrões em meio a uma verdadeira aculturação que são as relações sociais, segundo Barth “Em vez de tentarmos fazer com que nossas teorias dêem conta do que efetivamente encontramos, somos levados a escolher algum padrão claro e determinado em meio a esse cenário confuso e a aplicar nossa engenhosidade para salvar o holismo (funcionalista) por meio da construção de isomorfismo e inversões (estruturalistas) desse padrão escolhido ao acaso, como se ele se codificasse um encandeamento mais profundo” (pg. 109; 1989)
Hannerz analisa em Fluxos, fronteiras e híbridos a ideia dessas três palavras chaves para se entender essa nova forma de pensar a cultura. Entendo fluxo como o escoamento ou movimento contínuo de algo que segue um curso, dessa forma que o autor compreende a cultura. “Fluxo como várias outras palavras chaves examinadas nesse artigo, aponta, para uma macroantropologia, um ponto de vista bastante abrangente da coerência (relativa) e da dinâmica de entidades sociais e territoriais maiores do que aquelas convencionalmente abordadas pela disciplina” (Hannerz, 11).
Devemos perceber então por significado, uma relação entre signos e observador, e não algo concreto que simplesmente pode ser buscando e analisado monocraticamente sem a relação dialógica como havíamos dito entre pesquisador e pesquisado.
A cultura deve então ser  compreendida como esses fluxos e contrafluxos onde, diversas sociedades trocam experiências e junto com elas significados culturais, relações essas que criam e recriam cultura.

Finalizo então com Barth ao afirmar que“ a importância de tentarmos construir uma antropologia coerente, capaz de abordar esses temas e questões. Há teorias demais construídas com objetivos estreitos e limitados, sem verificar suas forças e fraquezas em outros setores do vasto empreendimento antropológico. Também não creio ser saudável ou defensável aplicar a um pequeno setor da antropologia premissas, concepções ou instrumentos de conhecimento que se mostraram sem base ou infrutíferos em outras partes do nosso campo. Nossos esforços no sentido de reconstruir, reformar, descartar e construir teorias devem ser incessantes e devem buscar abrangências e consistências.” (pg. 139)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Por que parar na questão de gênero? Vamos trocar a Constituição pela bíblia


Por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica junto ao que já foi a Presidência da República, o Ministério da Educação substituiu o Comitê de Gênero (que poderia contribuir no combate à homofobia, à transfobia e ao machismo e na promoção da diversidade na educação), pelo Comitê de Combate às Discriminações – que de tão amplo, pode ser qualquer coisa.
Eu acho ótimo essa interferência da religião nas políticas públicas do país. Sério mesmo. Tudo o que sempre sonhei era com homens sagrados (mulheres não, porque são as culpadas pelo pecado original) decidindo o que podemos ou não fazer.
Sobre o Comitê de Gênero, eles têm razão. Pois Levítico 18:22 deixa bem claro: “Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante''.
Mas, então, por que parar por aí? Atacar minoria é fácil, qualquer líder religioso covarde consegue. Que tal algumas mudanças que afetem os grandes com base nas “Leis de Deus''? Afinal, a bíblia considera uma pá de coisas como repugnantes e abominações.
Abaixo a Constituição Federal! Vida longa à bíblia! Vamos conduzir o país com base na interpretação literal do sagrado livro do cristianismo.
Começaríamos acabando com o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, responsável por definir a taxa básica de juros da economia. Sem poupanças, sem fundos de investimento, bancos seriam instituições de caridade. Os juros seriam zero e sempre zero em nome de Deus (“Não lhe darás teu dinheiro com usura, nem darás do teu alimento por interesse'', Levítico 25:37).
O Ministério da Pesca e Aquicultura seria mantido na reforma ministerial, pois haveria uma tarefa para ele: fiscalizar as porções de frutos do mar, punindo quem pedisse um camarão no bafo ou aneis de lula empanados (“De todos os animais que há nas águas, comereis os seguintes: todo o que tem barbatanas e escamas, nas águas, nos mares e nos rios, esses comereis. Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação'', Levítico 11:09 e 10). Ao invés disso, comeríamos homus de grão de bico, que é comida da Terra Santa.
Também seria estabelecida a Comissão de Costumes e Tradições para verificar se o comportamento da população condiz com a palavra de Deus – creio que poderíamos usar como o Irã como padrão de sucesso. Composta de forma paritária por membros do poder público e representantes de denominações cristãs, ela teria o poder de fiscalizar e autuar quem estivesse em pecado, como usar biquinis na praia. Nela, claro, haveria a Subcomissão do Corte de Cabelo (“Não cortem o cabelo dos lados da cabeça nem aparem as pontas da barba'', Levítico 19:27). Inspetores da comissão ficariam de guarda na frente da São Paulo Fashion Week.
Outras duas comissões, montadas no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, diriam o que os empresários podem e o que não podem fazer após uma análise da bíblia. E quem desrespeitasse terá seu negócio fechado. (“Obedeçam às minhas leis.
Não cruzem diferentes espécies de animais.
Não plantem duas espécies de sementes na sua lavoura.
Não usem roupas feitas com dois tipos de tecido'', Levítico 19:19).
Para tanto, poderíamos aprovar a “PEC dos Apóstolos'', do deputado federal Cabo Daciolo (ex-PSol, hoje sem partido), para enterrar de vez o Estado laico – nossa Viúva Porcina, pois é aquele que foi sem nunca ter sido. Ele propôs uma mudança no primeiro artigo da Constituição de “todo o poder emana do povo'' para “todo o poder emana de Deus''.
Dessa forma, a gente prepara o terreno para a segunda vinda do Messias. Ou para a chegada do meteoro.
Particularmente, torço para o meteoro.
texto do Blog do Sakamoto

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Maioridade Penal: Um Diálogo (Des)necessário com Rodrigo Constantino.


Por Rodrigo Santaella
O Brasil sempre foi um país conservador. Heranças coloniais e características fundacionais de nossa própria sociedade ajudam a explicar isso. Atualmente, parece que esse conservadorismo tem estado mais aflorado, pelos mais diversos motivos. Em momentos assim, posicionamentos de intelectuais de direita podem passar de espantalhos a articuladores do senso comum. É a boa e velha disputa de hegemonia gramsciana. É nesse contexto que Reinaldo Azevedo ganha notoriedade como ‘show-man’ do Rádio na Jovem Pan em São Paulo, ou que um ex-aluno me pede opinião sobre o ‘convite ao diálogo’, do ponto de vista dele ‘interessante’, sobre a redução da maioridade penal feito por Rodrigo Constantino. Tratava-se do texto Pergunta aos progressistas: vocês acham realmente que um moleque estupra e mata porque não teve aulas de matemática?”.
Não me deterei às ironias e desrespeitos, que contradizem o suposto espírito de diálogo do texto. Me atenho a quatro perguntas do autor, que considero pertinentes, além da do título: 1) Mesmo a redução aplicada só para crimes hediondos é considerada medieval ou sede de vingança de uma elite insensível?; 2) Estão dispostos a sustentar que quase 90% dos brasileiros têm inclinação fascista?; 3) Quando os garotos “já se transformaram em monstros” que estupram e matam inocentes, o que fazer com eles? Colocá-los nas escolas?; 4) Vocês realmente acham que alguém que estupra e mata por falta de escola, e que quem estupra e mata aos 16 anos ainda tem salvação?
A pauta da redução da maioridade penal é, sim, mobilizada por uma elite racista que busca transformar o medo de perder privilégios em políticas públicas, mas não é só isso. Não me parece que seja medieval nos termos colocados, e nem fascista. Não temos 90% de população fascista, mas temos uma sociedade conservadora, uma mídia antidemocrática que veicula infinitamente mais uma posição distorcida – que essa sim beira o fascismo – do que outra com relação à violência e sobre suas causas. Quando os adolescentes cometem atos infracionais, o que devemos fazer com eles é aplicar o ECA. Há medidas socioeducativas, inclusive com restrição de liberdade, que são previstas na lei e que funcionaram muito pouco no Brasil, para que julguemos se deram certo ou não.
Não se trata de pensar políticas públicas com base em exceções, nem de pensar se o adolescente A ou B tem ‘salvação’. Trata-se de pensar em qual é o papel do Estado (do qual os liberais não abrem mão): encarcerar o máximo de pessoas possível, tirando-as do convívio social, superlotando um sistema carcerário reconhecidamente ineficiente (ou, num caso pior, aumentando os lucros de um sistema carcerário privatizado) ou apostar nas possibilidades de transformação estrutural da sociedade e dos próprios indivíduos ao longo do tempo, agindo claramente nessa direção, investindo-se em educação, cultura, saúde, etc? Devolvo algumas perguntas: se a violência é um problema estrutural, resolveremos alguma coisa encarcerando mais pessoas? Ou a violência é um problema da maldade individual de alguns? Vocês estão dispostos a sustentar que a enorme população carcerária do Brasil é toda formada por pessoas muito, muito malvadas? É disso que se trata? O medo de ser preso, por si só, vai acarretar a diminuição dos crimes? Não é absolutamente estranho ao pensamento liberal, do qual Rodrigo tanto se orgulha, demandar um Estado que prenda mais, desistir dos indivíduos e apostar as fichas em mais polícia e mais cadeias, ou seja, em mais da pior face do Estado, para resolver um problema social?

sexta-feira, 10 de abril de 2015

MANIFESTO CONTRA A DIREITA, POR MAIS DIREITOS!

TODOS ÀS RUAS EM 15 DE ABRIL!

Vivemos um momento de descontentamento social e grande polarização política no país.
De um lado uma contra-ofensiva conservadora, com manifestações que tentam canalizar essa insatisfação para uma agenda de retrocesso. Elas tiveram eco no Congresso Nacional – que tornou-se um reduto do atraso político, sob o comando de Cunha e Renan Calheiros – e pautou propostas como: a redução da maioridade penal, a PL 4330 da terceirização, a lei antiterrorismo, a autonomia do BC e a PEC da Corrupção, que legaliza as doações empresariais para as eleições. A direita tenta impor a sua agenda política semeando a intolerância e o ódio, propondo políticas que incentivam o racismo, o machismo e a LGBTfobia.
De outro lado, o governo federal faz a opção de jogar o custo da crise mundial no colo dos trabalhadores. O ajuste fiscal e as medidas propostas pelo ministro Joaquim Levy reduzem direitos dos trabalhadores, dificultam o acesso a políticas e direitos sociais, corta investimentos para educação e moradia. Associado ao aumento de tarifas, que vem sendo seguido por vários governos estaduais, só agrava a situação do mais pobres. Sem falar na crise da água em São Paulo que é de responsabilidade do governo tucano no estado.
A política de ajuste fiscal do Governo Federal é indefensável e dá espaço para que as bandeiras levantadas pela direita ganhem apoio.
Entendemos que a saída da crise é pela esquerda. O ajuste deve sim ser feito, mas taxando aqueles que sempre lucraram com as crises. É preciso taxar as grandes fortunas, os lucros e os ganhos com a especulação financeira e na bolsa de valores, limitar a remessa de lucros para o exterior, reduzir drasticamente os juros básicos da economia e uma auditoria da dívida pública. O caminho para mudanças populares no país um Programa de Reformas Estruturais como a tributária, que implante a progressividade nos impostos, a urbana para atender a enorme demanda habitacional do país, a agrária que garanta trabalho e soberania e segurança alimentar para a população e a democratização dos meios de comunicação.
O enfrentamento da corrupção deve ser feito com a defesa clara de uma Reforma Política Democrática, com o fim do financiamento empresarial das eleições e o aprofundamento da participação popular. Neste sentido é preciso fortalecer iniciativas como o projeto da Coalização Pela Reforma Política Democrática, a Campanha por uma constituinte do sistema político e o Devolve Gilmar, que exige a retomada imediata do julgamento da ADI 4650, obstruída escandalosamente a um ano pelo Ministro Gilmar Mendes.
Por tudo isso estaremos nas ruas no próximo dia 15 de abril. É fundamental construir uma agenda política alternativa que combata as propostas da direita e que ao mesmo tempo defenda os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras contra os ajustes antipopulares propostos pelos governos estaduais e federal. Essa agenda comum deve ser a base para a unificação de todos os setores populares e da esquerda em torno de um calendário de mobilizações em defesa e ampliação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, do povo pobre e de todos os setores oprimidos da sociedade. Deve também apoiar todas as iniciativas de luta e resistência, como a greve dos professores de São Paulo. Contra a direita, por mais direitos.
 A pauta do nosso Ato está focada em 3 eixos:
1 – Em defesa dos direitos sociais: Não ao PL 4330 da terceirização e ao ajuste antipopular dos Governos. Pela taxação das grandes fortunas, dos lucros e da especulação financeira!
2 – Combate a corrupção, com o fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais!
3 – Não às pautas conservadoras, à redução da maioridade penal e ao golpismo! Contra o genocídio da juventude negra!
A saída para a crise são as Reformas Populares!

Dia 15 de Abril, às 17 horas, no Largo da Batata, em São Paulo.
Ocorrerão mobilizações também no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza e Curitiba, dentre outras capitais.
Reserve sua agenda, convide mais pessoas e venha para a rua construir uma alternativa popular para o Brasil.
Convocam:
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Intersindical - Central da classe trabalhadora
Fora do Eixo / Mídia Ninja
Articulação Igreja e Movimentos Sociais
Igreja Povo de Deus em Movimento (IPDM)
Uneafro
Coletivo Juntos
Rua - Juventude anticapitalista
Coletivo Construção
Movimento de Luta nos bairros e favelas (MLB)
Círculo Palmarino
Juventude Socialismo e Liberdade (JSOL)
Movimento de Luta por Moradia (MLM)
Partido Comunista Revolucionário (PCR)
Pólo Comunista Luis Carlos Prestes
Movimento Periferia Ativa
Movimento de Mulheres Olga Benário
Rede Emancipa


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Refinaria: porque comemorar a sua não vinda!

Capa de um dos principais jornais cearenses a respeito
da decisão da Petrobrás. Muito pior seria chorar por
um óleo derramado. A não-vinda da Refinaria é, pelo
contrário, motivo para comemorar!

As lamúrias em torno do anúncio, por parte da Petrobrás, de que não daria continuidade ao projeto da Refinaria Premium II, levou praticamente toda a grande mídia local (como o Jornal OPOVO, cuja capa é mostrada ao lado) e políticos (como Tasso Jereissati) visceralmente alinhados aos interesses dos mais ricos em nosso estado a um queixume em coro uníssono  (isso para não falar das próprias declarações do governador cearense Camilo Santana).

Sem que isto represente de minha parte nenhuma solidariedade ao governo federal e estadual, que propagandearam a refinaria, iludiram e capitalizaram em cima da promessa, para mim há algo muito mais importante em jogo.


A sociedade cearense tinha a obrigação de rejeitar a presença de uma refinaria em seu território em pleno século XXI. Como se já não bastasse a Térmica do Pecém, que aumentou sozinha as emissões de CO2 do estado em 15% e usa 1000 litros de água por segundo, a Refinaria iria aumentar em muito essas cifras (as estimativas são de que ela também demandaria 1035 litros/segundo, calculados a partir da projeção de processar aproximadamente 300 mil barris de petróleo por dia, sendo que um barril equivale a 119,24 litros e que um litro de petróleo requer tipicamente até 2,5 litros de água no processo de refino). Caso ela viesse a se instalar, ao lado da termelétrica e da siderúrgica, somente essas 3 empresas requereriam, jutas, mais de 10 milhões de litros de água por hora, o que implicaria no estabelecimento de uma demanda hídrica da mesma ordem de grandeza daquela associada à cidade de Fortaleza inteira, como discutimos anteriormente em nosso blog e como, sem nenhum pudor, anunciava o próprio ex-governador do Ceará e hoje ministro da Educação, Cid Gomes.


Vazamento de petróleo no Golfo do México, a partir de plata-
forma da BP produziu mutações terríveis em camarões e peixes.
Animais sem olhos e com outros tipos de má formação ou
carregados de tumores foram encontrados, inviabilizando a
pesca de pequeno porte. Inúmeros cetáceos s e aves marinhas
foram encontrados mortos na região.

Mas como se não bastasse o consumo de água e as emissões associadas não apenas no próprio refino, mas, claro, na queima ulterior dos derivados do petróleo gerados na refinaria, há questões de impacto ambiental e de saúde humana extremamente sérios associados a esse tipo de indústria. Por sinal, sérios e entrelaçados uns com os outros.

Há evidências cada vez mais incontestáveis de aumento da incidência de câncer nas proximidades de refinarias, em função da contaminação ambiental por produtos tóxicos. Por exemplo, o benzeno é um composto volátil bastante comum no processo de refino, é um agente cancerígeno conhecido (no organismo, ele sofre reações químicas de oxidação, produzindo um novo composto que é mutagênico, na medida em que reage com o DNA) e provavelmente é um dos principais vilões no aumento da incidência principalmente de leucemia/linfomas.

Viúva do petróleo, Maria Machay segura
foto de seu saudoso marido, um dos vários
acometidos por câncer em sua localidade.


Como divulgado pela Science Daily há cerca de um ano e meio, pesquisadores de um programa de
estudos de linfomas na Universidade Emory, usando dados públicos da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), investigaram a possível relação entre ocorrência desse tipo de câncer e a presença de refinarias, que liberam benzeno no ar e água circunvizinhos. As conclusões a que chegaram são no mínimo incômodas, havendo uma relação clara entre a distância das refinarias e a ocorrência de linfoma, ou seja, com aumento da incidência quanto mais próximo se chega delas. Nas palavras de uma das pesquisadoras do grupo resumiu: "esperamos que nossas pesquisas informem aos leitores sobre o risco potencial de se viver próximo a instalações que liberam agentes carcinogênicos no ar, lençol freático ou solo".

O que acontece porém, é que a localização dessas empresas, nos próprios EUA (e, obviamente em praticamente o mundo inteiro) é carregada de racismo ambiental. Segundo um artigo na página da Earth Justice, "metade das pessoas com risco de câncer aumentado por conta da poluição das refinarias é 'de cor'. Latinos, afroamericanos e pessoas pobres em geral vivem geralmente mais próximo das refinarias e infelizmente esses grupos sofrem uma incidência de câncer significativamente maior do que outros grupos". Mesmo refinarias mais modernas (caso de Lysekil, uma refinaria na Europa) não representam solução para o problema pois conforme o artigo neste link, nos últimos 10 anos, as comunidades a sotavento da refinaria apresentaram o dobro dos casos de leucemia que se esperaria, dadas as emissões tidas como "baixas".


Pamela Rodriguez. A pequena indígena do Equador nasceu
com má formação em um de seus olhos numa comunidade
com ocorrência extremamente elecada de aborto, câncer e
má formação congênita.

Mas tais problemas ocorrem quando do funcionamento "normal" de uma refinaria. Os problemas se multiplicam e tragédias ecológicas e sanitárias acontecem quando se tem um vazamento de petróleo ou seus derivados seja de uma refinaria, de uma plataforma, de um navio petroleiro ou de um oleoduto... E estes vazamentos são extremamente frequentes, como se constata nestalista de vazamentos. Tal lista inclui um bastante recente, que contaminou o Rio Yellowstone e fez com que os moradores da cidade de Glendivebebessem água contaminada, catástrofes de proporções gigantescas, como o Deepwater Horizon no Golfo do México ou realidades próximas como o vazamento da refinaria de Manguinhos. Nestes casos, o que acontece é que as substâncias tóxicas e cancerígenas são lançadas no ambiente em grande quantidade e espalham-se pelo ecossistema de maneira imediata, impactando os biomas e as comunidades próximas muitas vezes de forma imprevisível. Somente mais tarde é que as reais consequências aparecem.


A presença da Shell na Nigéria trouxe uma das maiores cala-
midades ambientais de todos os tempos. 580 mil barris de pe-
tróleo que vazaram devastaram uma das paisagens antes mais
belas do mundo, rica em biodiversidade e que proporcionava
sustento a comunidades locais. 

E tais consequências para o ambiente e a saúde humana costumam ser de longo prazo e por vezes irreversíveis. A população habitante do Delta do Níger, na Nigéria; a fauna marinha do Golfo do México e as populações indígenas, rios e floresta  nas proximidades dos locais de operação da Chevron, no Equador, são exemplos claros dos danos dessa indústria tão tóxicas.

Por todos esses motivos, essas empresas são obsolescências vivas, símbolos do fracasso da matriz energética de fonte fóssil, vorazes consumidoras da água que desaparecerá tanto mais rapidamente quanto mais quente estiver o planeta. Se é absurdo a simples existência delas em nossos tempos, mais absurda ainda é colocá-las em nosso quintal, para usar a água escassa do semi-árido.

É evidente que é necessário cobrar reparações da Petrobrás. Houve várias obras de infraestrutura voltadas para a refinaria. As comunidades Anacé de Matões e Bolso tiveram suas vidas viradas de cabeça para baixo e já estão praticamente de malas prontas para mergulharem na incerteza de uma reserva indígena com pouquíssima terra, para onde seriam deslocados para que suas terras originais recebessem o monstrengo fóssil. Isso sim, se pode e deve reivindicar. Mas não choremos lágrimas de petróleo. Nunca valeu a pena a ilusão da refinaria. Aproveitemos para ter mais elementos para revisar o modelo de desenvolvimento em voga, que dizima a nós e ao ambiente, espalha doenças terríveis, consome nossa água e emite gases que aquecem o clima do planeta. Tenhamos a coragem de dizer bem alto: adeus refinaria, e não volte!