sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Primeiro turno das eleições de 2016: depois da decepção, precisamos reconstruir a esperança e a esquerda

Assistimos, muito consternados, à vitória do empresário tucano João Doria no primeiro turno em São Paulo, ao aprofundamento da decadência do PT no país inteiro, ao revigoramento do PSDB e do PMDB… enfim, à continuação do franco crescimento da direita partidária no país.
Só o Rio de Janeiro, entre as grandes cidades, vivenciou um crescimento resistente da esquerda, com Marcelo Freixo no segundo turno e a eleição de vários vereadores do PSOL.
Diante desse quadro eleitoral, a reação de boa parte, talvez a maioria, da esquerda tem sido de puro derrotismo e resignação. Vi diante dos meus olhos, na noite do dia 2 de outubro e no dia seguinte, uma parcela da esquerda que morreu por dentro. Tendo deixado de alimentar nas pessoas e em si mesma os sonhos de um mundo melhor e o propósito de lutar por esses sonhos, ela simplesmente perdeu o sentido de existir.
Aí nos perguntamos: e agora, o que fazer? Eu respondo: vamos sentar juntos para responder a essa indagação, e me permita trazer minhas sugestões.

A parcela da esquerda que continua firme na luta

Acredito que é essencial, para buscarmos responder o que fazer a partir de agora, buscarmos inspiração na parcela da esquerda que continua lutando, que nunca se deixou baixar a cabeça e aceitar a tal chegada dos “tempos sombrios” de hegemonia absoluta da direita.
Numa hora como essa, olho feliz e esperançoso – e espero de coração que você também se sinta inspirado(a) para olhar junto comigo – para a parcela que continua na luta, se recusa veementemente a baixar a cabeça econtinua lutando e resistindo num país em que a direita avança.
Esse é o lado da esquerda brasileira que resiste, seja focada nas reivindicações de nível micro, como aumento de salários e implantação de planos de carreiras e salários, seja em luta contra os retrocessos de direitos que Michel Temer e governos estaduais e municipais ameaçam trazer – e, se depender do lado derrotista da esquerda, trarão sem ser impedidos ou dificultados.
É parte que persiste em sonhar e construir um mundo melhor, que rejeita aguerridamente que o medo e a desesperança tomem de assalto o mundo e matem aqueles sonhos tão lindos do final do século 20.
Entre essa esquerda que resiste, incluo, com muita admiração e prestando meus sinceros elogios:
·         Aos adolescentes das escolas estaduais de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e outros estados que ocuparam em luta esses espaços, contra o fechamento arbitrário e antidemocrático desses locais e a privatização ou militarização da gestão escolar;
·         Às feministas que lutaram contra o agora ex-deputado Eduardo Cunha, contra as medidas misóginas encabeçadas por ele em 2015, e ajudaram a desmoralizá-lo perante a maioria da população brasileira;
·         Às feministas cariocas que escancararam que o ex-candidato a prefeito Pedro Paulo é um agressor de mulheres e, assim, conseguiram numa linda vitória fazer com que ele não fosse para o segundo turno no Rio de Janeiro;
·         Aos movimentos sociais de minorias políticas que, apesar de diversas rixas internas, vêm crescendo imensamente nas redes sociais e nas universidades, cativando a juventude e promovendo um debate cada vez mais forte na sociedade;
·         Aos bancários em greve, aos professores universitários que estão também organizando uma greve nacional, aos funcionários dos Correios que lutam da mesma maneira, e a todos os demais trabalhadores que se recusam a ver seus sonhos serem pisoteados pelos governantes golpistas e antidemocratas;
·         Ao PSOL, que tem sido o bastião de resistência da esquerda partidária no poder legislativo e executivo no Brasil. Que não se deixa desiludir da possibilidade de realizar mudanças por meio da política representativa para que, mais adiante, uma mudança mais sistemática e avançada seja viabilizada a partir do seio do povo. Merece destaque honroso o PSOL do Rio de Janeiro, que obteve uma vitória histórica com Freixo no segundo turno – e elevadas chances de ser eleito – e seis vereadores.

A outra parcela, a derrotista, da esquerda

A metade resistente da esquerda, que me traz vívidas esperanças pelo futuro, contrasta severamente com o que eu tenho visto no Facebook e em diversos sites progressistas desde o ano passado: a outra metade,a esquerda de alma derrotada, convertida numa borrada sombra do que era nos anos 80 e 90.
Que rasteja na resignação, no medo, na desesperança e na crença de que “as trevas” irão dominar o Brasil e nada mais pode ser feito, fora sentar, chorar, lamentar nas redes sociais e esperar que o pior aconteça individual e coletivamente.
Uma esquerda que, por ter perdido sua essência – que é sonhar com um mundo melhor, vislumbrar um futuro gostoso para todos e lutar incansavelmente por ele, por mais que sofra derrotas e decepções no percurso -, morreu por dentro e dela só restou uma casca morta-viva.
E nesses dias eu pude ver de novo essa onda de “trevas espirituais” nessa parcela da esquerda, já que a direita avançou na maioria das prefeituras. De novo grassou potente o discurso da vergonha, da tristeza, de achar que não é mais possível fazer nada, de que tempos tristes e sombrios despontam invencivelmente no horizonte.
A partir dessa realidade, eu percebo que o nosso problema não é apenas que a direita tem crescido. Mas também que, paralelamente, grande parte da esquerda tem decaído em queda livre e não oferece mais uma alternativa válida e palpável de projeto político para o povo como um todo, que atualmente tem medo do futuro e quer representantes que lhes satisfaçam as emoções mais nervosas e urgentes em meio a essa epidemia de incertezas.
É uma esquerda que, por causa de:
·         Brigas internas fratricidas;
·         Foco no que os “aliados” de espectro ideológico têm de pior e pensam diferente ao invés do que têm de melhor e pensam parecido;
·         Evasão em massa do sistema político representativo sem se construir e defender nenhuma alternativa realista alcançável a curto ou médio prazo;
·         Purismo ideológico e falta de tato social;
·         Sectarismo radicalizado;
·         Carência de trabalhos de base nas comunidades pobres;
·         Encastelamento nas universidades, em espaços restritos das redes sociais e em sites progressistas de médio alcance, parecendo haver uma fobia de ir nos bairros pobres e favelas para conversar com as classes populares e ouvi-las atentamente;
·         Falta de objetivos a curto, médio e longo prazos etc.
obviamente não tem futuro nenhum fora a nulidade e irrelevância no panorama político brasileiro.

Esperança! Como ressuscitá-las dentro de nós

Nessa hora de resignação dessa parcela da esquerda, não sei se vou ser bem entendido, mas direi:
Não percamos a esperança!
A esperança somos nós!
Não esperemos a esquerda se reconstruir à nossa revelia.
Vamos reconstruir nós mesmos a esquerda (ou melhor, essa metade dela que morreu)!
A hora não é de desistir e dizer “Olá, escuridão, minha velha amiga”. Mas sim de parar pra refletir e debater com nossos iguais:
·         O que deu errado na esquerda?
·         Por que ela não decola?
·         Por que essa parcela da esquerda não está incluindo as classes populares, mas sim apenas um pedaço da classe média urbana?
·         O que precisa ser mudado ou melhorado?
·         E sobretudo: Como ressuscitar a esquerda antissistema, anticapitalista e pró-democracia popular?

Depois do luto, que venha a reflexão, a autocrítica e a reconstrução

Não podemos desistir. Precisamos fazer a autocrítica da esquerda e mudar aquilo que precisa ser mudado. Renová-la. Conquistar o apoio da maioria da população.
Cativar as emoções, sonhos e anseios das outras pessoas. Mostrar que elas precisam lutar por seus direitos, sonhar com um futuro melhor e ser o povo o único soberano de si mesmo. Aprender com quem continua lutando de cabeça erguida.
Fazer com que as pessoas compreendam nossas posições, percebam o que elas têm a ver com as lutas sociais históricas e se identifiquem com a esquerda. Ou melhor, fazer com que a esquerda brasileira como um todonão exista mais tão separada do povo humilde e avessa a ele quanto a direita empresarial e partidária.
Espero que, depois do luto da noite do dia 2, isso comece a acontecer, mesmo que pouco a pouco. E podem ter certeza de que eu quero muito contribuir com essa reconstrução da parcela degradada da esquerda, e me aliar com a que continuar forte e resistindo. E sei que você poderá, com a devida mudança de atitude, aderir e fazer o mesmo.
Se o sistema político representativo falhou, vamos construir um novo ainda mais democrático e popular, que ainda não existe por aqui. Se o capitalismo é abominável, vamos construir um sistema econômico alternativo que seja viável no mais breve possível e não precise de décadas à frente para ser possibilitado.
Se a direita é elitista, preconceituosa, antipopular e demagógica, vamos ser a contraparte dela e provar à sociedade como um todo nosso valor e os porquês de sermos melhores para as classes populares do que os empresários, ideólogos, pastores e políticos conservadores, moralistas, pró-capitalistas e liberais econômicos.
Vamos compartilhar nossos conhecimentos, dar o melhor de cada um(a) de nós. E fazer tudo aquilo que seja possível para que a esquerda como um todo volte a ser competitiva perante a direita e se funda verdadeiramente com o povo e seus interesses coletivos.
Ou seja, que toda a esquerda volte a sonhar, lutar por esse sonho e inspirar que as pessoas em geral sonhem também.
Então…
Vamos à luta!


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