quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Maioridade Penal: Um Diálogo (Des)necessário com Rodrigo Constantino.


Por Rodrigo Santaella
O Brasil sempre foi um país conservador. Heranças coloniais e características fundacionais de nossa própria sociedade ajudam a explicar isso. Atualmente, parece que esse conservadorismo tem estado mais aflorado, pelos mais diversos motivos. Em momentos assim, posicionamentos de intelectuais de direita podem passar de espantalhos a articuladores do senso comum. É a boa e velha disputa de hegemonia gramsciana. É nesse contexto que Reinaldo Azevedo ganha notoriedade como ‘show-man’ do Rádio na Jovem Pan em São Paulo, ou que um ex-aluno me pede opinião sobre o ‘convite ao diálogo’, do ponto de vista dele ‘interessante’, sobre a redução da maioridade penal feito por Rodrigo Constantino. Tratava-se do texto Pergunta aos progressistas: vocês acham realmente que um moleque estupra e mata porque não teve aulas de matemática?”.
Não me deterei às ironias e desrespeitos, que contradizem o suposto espírito de diálogo do texto. Me atenho a quatro perguntas do autor, que considero pertinentes, além da do título: 1) Mesmo a redução aplicada só para crimes hediondos é considerada medieval ou sede de vingança de uma elite insensível?; 2) Estão dispostos a sustentar que quase 90% dos brasileiros têm inclinação fascista?; 3) Quando os garotos “já se transformaram em monstros” que estupram e matam inocentes, o que fazer com eles? Colocá-los nas escolas?; 4) Vocês realmente acham que alguém que estupra e mata por falta de escola, e que quem estupra e mata aos 16 anos ainda tem salvação?
A pauta da redução da maioridade penal é, sim, mobilizada por uma elite racista que busca transformar o medo de perder privilégios em políticas públicas, mas não é só isso. Não me parece que seja medieval nos termos colocados, e nem fascista. Não temos 90% de população fascista, mas temos uma sociedade conservadora, uma mídia antidemocrática que veicula infinitamente mais uma posição distorcida – que essa sim beira o fascismo – do que outra com relação à violência e sobre suas causas. Quando os adolescentes cometem atos infracionais, o que devemos fazer com eles é aplicar o ECA. Há medidas socioeducativas, inclusive com restrição de liberdade, que são previstas na lei e que funcionaram muito pouco no Brasil, para que julguemos se deram certo ou não.
Não se trata de pensar políticas públicas com base em exceções, nem de pensar se o adolescente A ou B tem ‘salvação’. Trata-se de pensar em qual é o papel do Estado (do qual os liberais não abrem mão): encarcerar o máximo de pessoas possível, tirando-as do convívio social, superlotando um sistema carcerário reconhecidamente ineficiente (ou, num caso pior, aumentando os lucros de um sistema carcerário privatizado) ou apostar nas possibilidades de transformação estrutural da sociedade e dos próprios indivíduos ao longo do tempo, agindo claramente nessa direção, investindo-se em educação, cultura, saúde, etc? Devolvo algumas perguntas: se a violência é um problema estrutural, resolveremos alguma coisa encarcerando mais pessoas? Ou a violência é um problema da maldade individual de alguns? Vocês estão dispostos a sustentar que a enorme população carcerária do Brasil é toda formada por pessoas muito, muito malvadas? É disso que se trata? O medo de ser preso, por si só, vai acarretar a diminuição dos crimes? Não é absolutamente estranho ao pensamento liberal, do qual Rodrigo tanto se orgulha, demandar um Estado que prenda mais, desistir dos indivíduos e apostar as fichas em mais polícia e mais cadeias, ou seja, em mais da pior face do Estado, para resolver um problema social?

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