Venho ao povo de deus trazer uma boa notícia (embora ela
venha acompanhada de uma não tão boa assim, para alguns). A boa notícia é
que o evento por vós tão aguardado aconteceu: Jesus voltou. A má
notícia é que ninguém avisou que ele precisava agradar a sociedade
patriarcal cristã.
Jesus voltou e só anda com gente esquisita. Seu lugar é ao lado dos
marginalizados, dos não-aceitos, dos diferentes. Foi visto enrolado numa
bandeira de arco-íris na Parada Gay e cercado de amigas com os seios de
fora na Marcha das Vadias. Ele, ao contrário dos fariseus dos nosso
tempos, não carrega preconceitos mesquinhos, nojo de gente, ódio de
pessoas por elas serem o que são. Vejam só, que surpresa.
Jesus voltou e não é cristão (aliás, coisa que nunca foi). Ele não
frequentou nenhuma igreja ainda, não apareceu nos grandes templos, não
pagou o dízimo, não está do lado de quem explora a fé dos outros.
Aparentemente, ele se recusa a seguir uma religião tão empenhada em
condenar pessoas, em impor proibições e pensamentos, em interferir na
lei. Inclusive, Jesus foi fotografado em uma manifestação pelo Estado
laico, segurando um cartaz que dizia: “dai a César o que é de César, e a
Deus o que é de Deus.”
Jesus voltou e não é filho da virgem, é filho da puta. É por isso que
ele sabe a barra que essas mulheres enfrentam, o perigo que correm, a
humilhação a que são submetidas, a cidadania que lhes é negada. Jesus é
amigo das prostitutas, das travestis, das que são empurradas para o
submundo ou das que escolhem esse caminho para juntarem uma grana legal e
batalharem por uma vida melhor, como qualquer outra pessoa, afinal de
contas.
Jesus voltou e talvez seu retorno não tenha sido alardeado, celebrado
e divulgado na TV e nos sites de fofoca porque ele nasceu invisível.
Jesus voltou negro e, como tantos e tantas outras que não nasceram da
cor “certa”, ele foi invisibilizado por uma cultura que celebra apenas a
branquitude e que esperava por um Jesus loiro dos olhos claros, como
nas imagens espalhadas nas igrejas. Além disso, nenhuma estrela-guia
marcou o nascimento de Jesus, porque aparentemente estrelas-guia não
chegam na favela onde ele nasceu – lá, onde só chega o descaso do Estado
e o preconceito das elites. Sabe-se apenas que sem dúvidas ele é Jesus
porque só um milagre explica como uma pessoa negra que cresceu na favela
ainda não tenha sido “desaparecida” pela PM em uma de suas truculentas operações no morro.
Jesus voltou e não quer saber dos poderosos. Seu rolê é com a galera
das quebradas, com os que moram nas ruas, com os grafiteiros, com os
skatistas, com as crianças que vendem balinha no sinal. Quando não é
confundido com mendigo, é tomado por bandido. Meliante. Perigoso.
Jesus voltou para barbarizar. Ajudou a quebrar vitrines, a tacar
pedras na Tropa de Choque e levou muita bomba na cara. Voltou para virar
o mundo de cabeça pra baixo – e não dá para fazer isso sem escandalizar
a tia Gertrudes que reza o terço no terceiro andar ou o coxinha
engomadinho que apresenta o telejornal.
Jesus voltou e é feminista. Porque não dá para ser revolucionário de
verdade sem antes lutar para destroçar o patriarcado e picotar os papéis
de gênero em centenas de pedacinhos, como na multiplicação dos pães.
Jesus voltou e é queer, é “amigx” dos e das transsexuais, dos
inadequados, dos indefinidos. Daqueles e daquelas que se recusam a ser
definidos, rotulados, padronizados e limitados por essa sociedade
doente.
Jesus voltou não para curar os cegos, os leprosos ou ressuscitar os
mortos. Jesus voltou para mandar à merda aqueles que dizem amar, mas
discriminam. Aqueles que dizem respeitar, mas desumanizam. Aqueles que
dizem que somos todos irmãos, enquanto há tanta desigualdade social,
racial, de gênero. Aqueles que prometem o “reino dos céus” mas são
incapazes de refletir sobre seus privilégios aqui na Terra. Aqueles que
acreditam que existe um diabo, mas não vêem que o demônio é o racismo, o
machismo, a transfobia e a homofobia que eles próprios alimentam. Jesus
voltou pra dizer que essa galera tá errando feio. Errando rude.
Jesus voltou e é minoria vândala. Talvez por isso, de novo, não tarde a ser crucificado bem jovem.
“Meu Cristo é o Cristo das prostitutas, minorias, marginalizados, negros, dos que têm fome.” (Plínio Marcos)
Fonte: Aline Valek
Um comentário:
Esses foram os 5 minutos mais bem empregados do meu dia.
Adorei
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