terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Não existe mediação com quem diz que não há homofobia no Brasil!


Com essa frase a Senadora Marinor Brito (PSOL-PA) coroou seu pronunciamento na Comissão de Direitos Humanos do Senado que debateu o PLC 122, que criminaliza a homofobia. O recado era para a Senadora Marta Suplicy (PT-SP), que, numa tentativa de construir um acordo com a bancada fundamentalista do Congresso, retirou o coração do combate à homofobia do PLC 122: a criminalização do discurso de ódio e o direito à demonstração de afeto em local público – mecanismos que desarmam as causas da violência contra @s LGBTs.
Para combater a homofobia não adianta aumentar a pena de quem cometeu uma violência contra homossexuais, depois desta já ter acontecido. A solução é combater o discurso de ódio, que precede a ação violenta e garantir que os sexodiversos possam conviver em público como qualquer outro cidadão – é o convívio que desconstrói os preconceitos.
O projeto original tem ainda outra vantagem em relação ao substitutivo proposto pela Marta: ele insere a criminalização da homofobia num roll de atingidos pelos preconceitos – negros, judeus, mulheres, idosos, deficientes – mostrando que a sociedade brasileira não tolera a desigualdade de tratamento entre os atingidos pela intolerância.
O acordo construído por Marta com Marcelo Crivella, sem qualquer debate com o conjunto do movimento LGBT – nem sequer a Frente Parlamentar foi chamada –, dividiu o movimento, enfraqueceu o PLC no debate público (pois assumiu o discurso de que criminalizar a homofobia atenta contra a liberdade religiosa) e sequer conseguiu o apoio de Magno Malta, Marcelo Crivela e o restante da bancada do “templo é dinheiro”.
Os fundamentalistas estiveram em peso na audiência, protestando contra o PLC 122 – o original e o substitutivo. Esteve presente uma comitiva considerável de pastores – com seus relógios e anéis de ouro (ostentação de uma religiosidade de mercado, que lucra com os ataques aos sexodiversos). Portavam cartazes contra o PLC 122 que tentavam confundir o que estava em debate: diziam que a criminalização da homofobia é inconstitucional. Ora, se a criminalização da homofobia é inconstitucional, porque a criminalização do racismo, aprovada há mais de 20 anos, não é?
Considerar que a liberdade de expressão não tem limites (alguns deles, como a vedação ao anonimato, já estão previsto no próprio texto da Constituição) significa abrir as portas para um retrocesso brutal à penalização, já existente, ao discurso de ódio contra negros e judeus, por exemplo.
Magno Malta (PR-ES) construiu, em seu pronunciamento na Comissão, um argumento surreal para justificar o tratamento desigual aos homossexuais, em relação aos demais atingidos pela intolerância: a homossexualidade seria uma escolha. A ciência e a psicologia já deram várias mostras de que a homossexualidade se constrói a partir de vivências afetivas, para as quais o/a LGBT não tem qualquer controle. O desejo se impõe (seja hétero, seja bissexual, seja homossexual). A escolha está em vivê-lo ou não. Ainda que fosse uma escolha, como a religiosa, também deveria ser respeitada!
Marcelo Crivella contou o caso de dois protestantes assassinados por jesuítas durante a invasão de Villegagnon, para dizer que os evangélicos foram os primeiros atingidos pela intolerância no Brasil. Essa falsificação histórica “esquece” dos milhares de indígenas dizimados no Brasil!

A lógica dos Fundamentalistas em dividir o mundo em evangélicos e gays é um ataque às possibilidades democráticas. Divide o mundo em preto e branco e esconde os milhares de matizes que existem no arco-íris da realidade: diversos cristãos, católicos e evangélicos, já se pronunciaram favoravelmente à criminalização do discurso de ódio (fazendo uma diferenciação óbvia, entre o que é pecado e o que é crime).
A bancada do “templo é dinheiro” tenta confundir se colocando como vítimas de uma suposta perseguição aos evangélicos. Se existe intolerância com os evangélicos, porque não se vê igrejas evangélicas serem apedrejadas e invadidas, como ainda acontece com os templos de matriz africana? Porque não se vê, como ocorre cotidianamente com os sexodiversos, pessoas serem esfaqueadas (ou atacadas com lâmpadas) por sua fé “desviante”. Bom que se lembre que vivemos num país majoritariamente católico, eo Estado Laico, que os fundamentalistas agora querem, contraditoriamente,  atacar, que possibilitou a existência das religiões “marginais”(inclusive a evangélica).
Fundamentalistas dizerem o que querem, mesmo sem qualquer base na realidade, e receberem aplauso de uma claque, não é novidade. A novidade nesta ultima reunião da CDH foi que eles tiveram resposta à altura. Um aguerrido grupo de militantes da Cia Revolucionária do Triângulo Rosa, coletivo sexodiverso de Brasília, compareceu à audiência, ocupou espaços na galeria e ergueu seus cartazes, Discurso de Ódio Mata!”, “seu ódio é anti-cristão”, “A cada 36 horas um homossexual é assassinado”, “PLC 122 abrangente”… Esses militantes não se intimidaram com as provocações feitas pelos pastores. Mostraram que a partir de agora os sexodiversos responderão no mesmo tom os ataques dos fundamentalistas!
Os fundamentalistas também ergueram cartazes de próprio punho, para responder as posições pró-liberdade sexual. E foram reveladores: um dizia “minha lei é Jesus”, outro “não se muda a lei de Deus”, e ainda “Se essa lei já existisse, vocês não teriam nascido”. Durante toda a reunião pastores invadiam o espaço onde os militantes da Cia Revolucionária do Triângulo Rosa estavam – um chegou a sentar no chão, entre dois dos militantes -, para fazer provocações (As matérias na imprensa mostram esse momento).
O Senador Petecão (PSD-AC) tentou novamente intimidar os defensores da liberdade sexual. Usando o mesmo argumento surrado de que os Gays que são os intolerantes, leu um de nossos cartazes: “Declare Guerra à Quem Finge que Te Ama!”. E perguntou, “porque querem guerra?”
Esse, sem dúvida, foi um dos momentos mais emocionantes da sessão. Uma mãe se levantou e gritou: “mataram meu filho adolescente, só porque ele era diferente. Quem declarou a guerra foram vocês!”
A estratégia dos acordos nos corredores do Congresso mostrou os seus limites. Essa foi a aposta do movimento LGBT hegemônico nos últimos 20 anos. Depois que o Governo Lula/Dilma se iniciou, essa estratégia se mostrou ainda mais limitada. O PT, que historicamente fora o principal defensor das causas sexodiversas, deixou de enfrentar os fundamentalistas (base de apoio do governo) e passaram a usar o movimento hegemônico para frear o enfrentamento.
Enquanto os fundamentalistas fazem o debate com a sociedade, os defensores do Estado Laico tentam negociar com eles. Resultado: o debate começou a ser perdido, e parte dos próprios liberais começaram a roer a corda – de olho nas urnas. A fala do Senador Cristóvam Buarque, defensor histórico dos Direitos Humanos, foi lastimável! Depois de um belo prefácio, em que reconhecia a opressão dos homossexuais, disse que tínhamos que ceder ainda mais! Mais? A “mediação” que os fundamentalistas propõem agora é arquivar o PLC 122 e construir um novo. Depois de 10 anos de tramitação no Congresso, e aprovação já na Câmara, eles propõem como único diálogo enterrar tudo e começar do zero.
“Não existe mediação com quem diz que não há homofobia no Brasil!”
Quem acreditava na negociação, e esqueceu do debate na sociedade, precisa rever sua postura. Causou estranheza que, tirando Toni Reis, e um ou outro/a, o/as militante das ONGs, não tenham comparecido a um debate tão central!
A reunião da CDH do Senado foi um marco para a história do movimento sexodiverso brasileiro. Mostrou a urgência de se produzir um novo ciclo do movimento. A única possibilidade de fazer os fundamentalistas recuarem é que eles sintam a força dos milhares de gays indignados com essa onda reacionária. A luta é difícil! Eles tem parlamentares, canais de TV, templos e MUITO dinheiro. Mas não temos outra alternativa!
Ao final da reunião da Comissão invocamos uma palavra de ordem “a nossa luta é todo dia, contra o racismo, machismo e a homofobia”. Fomos cercados pelos evangélicos que cantavam freneticamente “Gloria, Gloria Aleluia”.
O Estado Laico está em risco no Brasil!
Para defende-lo devemos construir um virtuoso movimento social, combativo, radicalmente democrático, politizado, que trave o diálogo com a sociedade (e não só nos corredores do parlamento) e estabeleça alianças com os outros setores que serão atacados, tão logo os homossexuais sejam derrotados. “Declare guerra a quem finge que te ama!”

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